Abdulrahman Zeitoun é um homem nascido na Síria, muçulmano, casado com Kathy Zeitoun, americana, também muçulmana, e pai de três meninas. Dono de uma empresa de carpintaria e serviços de pintura conhecido e respeitado na cidade. A vida de Zeitoun vira de cabeça para baixo oito dias após o Furacão Katrina atingir New Orleans.
Kathy e as filhas saem da cidade para se proteger da tempestade mas Abdulrahman resolve ficar para cuidar da casa. Os primeiros dias pós-furacão são relativamente calmos. Mas, no dia 6 de setembro Zeitoun é preso junto com outros três homens – dois deles seus amigos, e um deles também muçulmano. É aí que o livro de Dave Eggers começa de verdade.
O escritor nascido em Boston e co-fundador de diversos projetos como a editora McSweeney’s e o 826 Valencia, que incentiva novos escritores, conta a história do empresário de origem islâmica para superar os 23 dias que passou na cadeia sem direito a telefonemas e sem saber os motivos de sua prisão.
O livro também conta o desespero de Kathy. Morando de favor em Baton Rouge, uma cidade vizinha, esperando o governo permitir que a população voltasse para New Orleans. A esposa de Zeitoun perde contato com o marido de repente. Kathy acompanhava as notícias pela televisão e nos jornais dando conta do caos e da violência que tomava conta da cidade inundada. A espera por um sinal do marido dura alguns dias até tornar-se dúvida quanto a sua sobrevivência. Uma semana sem notícias foram suficientes para Kathy começar a imaginar como seria sua vida sem o pai de suas filhas.
A história da família Zeitoun não foi a única a sofrer por prisões indevidas durante o pós-Katrina. Foram vários os casos de pessoas que ficaram meses, e até anos, presos sem motivo por culpa do caos no sistema prisional de New Orleans e da falta de segurança nos primeiros dias de inundação.
O objetivo alcançado pelo livro de Dave Eggers – escrito de forma precisa, direta e chocante – acaba sendo outro que não contar a história de Abdulrahman Zeitoun. A obra faz um relato do caos em que a região de New Orleans ficou inserida com os estragos da tempestade e o rompimento das barragens que fizeram as águas do lago Pontchartrain inundar 80% da cidade.
Antes de ser preso, o empresário sírio, dono de diversos imóveis, e munido de um bote antigo, comprado por impulso anos antes, mantinha contato com a esposa por que um de seus apartamentos não teve a linha telefônica danificada. É por esse meio que Zeitoun fica sabendo dos saques e da presença cada vez maior de soldados e membros da Guarda Nacional na cidade. A violência e os perigos anunciados na imprensa não haviam chegado ao bairro em que ele estava.
Zeitoun foi preso quando estava no telefone com seu irmão que mora na Espanha. A violência excessiva dos policiais no ato da prisão e nos interrogatórios é um retrato do despreparo das autoridades para conduzir uma situação extrema como a produzida pela passagem do Katrina.
Paralelamente à história de como Abdulrahman foi parar na cadeia improvisada no terminal rodoviário da cidade e depois na penitenciária de segurança máxima Elayn Hunt, o livro relata o que Zeitoun presenciou nas suas rondas de bote: soldados negando ajuda à pessoas ilhadas em telhados; botes motorizados do exército militar passando vazios por pontes lotadas de pessoas sem sequer prestar socorro; policiais sacrificando animais com armas de fogo; um quarteirão inteiro ser consumido por um incêndio gigantesco.
Essas passagens roubam o protagonismo do livro. Após ler a última página, depois de acompanhar a agonia de Kathy para livrar o marido da cadeia; depois de ver os problemas que a família teve com o trailer inútil doado a eles pelo governo federal; depois de ler todas as situações inimagináveis de se ocorrer num país desenvolvido como os Estados Unidos é que você percebe que Dave Eggers atingiu na mosca o seu objetivo: Zeitoun é um retrato fiel de um dos episódios mais lamentáveis da história dos Estados Unidos da América.