Numa mesa branca comprida sentam-se, lado a lado, os mais variados tipos. Jovens vestidos de branco da cabeça aos pés, rapazes calçados com sapatos lustrosos, calças e camisas bem passadas, e um grupo aparentemente saído de um acampamento hippie. Todos eles comem do mesmo arroz e feijão, nos mesmos pratos brancos ovais, com os mesmos talheres tortos e sentados nos mesmo bancos redondos e desconfortáveis. Não há lugar melhor para se observar os tipos que habitam uma universidade do que o restaurante universitário.
Alguns grupos são identificáveis antes mesmo de entrar no restaurante. Sempre têm aqueles vestidos todos de branco que, apesar de parecerem estudantes de medicina, geralmente cursam odontologia. Em pequenos grupos de quatro ou cinco falam baixo sobre algum fato que aconteceu na aula. Outro dia um desses quartetos, que realmente cursa medicina, conversava com naturalidade sobre uma colega que se atrapalhou ao manusear um cadáver e quase o derrubou. Os causos contados na fila do restaurante dão importantes pistas sobre a origem dos tipos. Os do CFH falam sobre política e professores. Do CSE falam sobre Marx, de números e mal de Marx — geralmente nesta ordem. Os do CTC falam sobre contas e provas. Isso quando não estão debaixo de uma barraca fazendo churrasco com música alta para divulgar alguma festa.
Mais cruel que o cheiro do churrasco e o repertório das músicas é o camarada que fura a fila na sua frente. E pior! Sem encontrar nenhum conhecido. Simplesmente para dois passos a sua frente e fica ali. Olhando para os lados, para baixo. Dá uma pigarreada para disfarçar e se apossa do lugar que era seu menos de um minuto atrás. Tem quem se revolte, claro. Certa vez uma garota deu de dedo num marmanjo até o folgado desistir da furada e ir para o fim da fila — ou ter ido furar a outra, nunca se sabe.
As próprias filas mostram certa personalidade ao adaptarem-se ao cardápio. Se, ao meio-dia, for possível avistá-las a 250 metros da entrada pode apostar que tem — ou tinha — strogonoff de camarão no menu. Se não for o caso e elas não passarem de 50 metros o prato principal do dia pode ser quibe. Ou peixe em posta. A única oferta que pode proporcionar tanto filas gigantescas como inexistentes é o frango empanado — nesses dias o tamanho do pedaço que irão servir é tão imprevisível quanto o comprimento das filas.
Vencida a espera nas fileiras de esfomeados adentra-se o prédio que tem ar-condicionado. Sim! Mas que funciona mais como um apoio psicológico do que climático. Na porta do restaurante o par de seguranças recolhem os passes ora impacientes com aquele rapaz que esperou chegar à porta pra tirar o cartão de identificação da carteira — e a carteira do fundo da mochila –, ora fazendo vista grossa praquele homem de 40 e tantos anos cujo nome no cartão consta como Amanda.
Os tipos que se observa nas gôndolas do buffet são extremos. Tem os que não sabem dizer não. São aqueles que pegam de tudo um pouco: arroz branco e arroz integral, feijão e lentilha, salada e vinagrete. Se tiverem sorte pegam até batata-palha e farofa. Tem também quem é seletivo demais. Aqueles que analisam cada centímetro da faca antes de decidirem que esta, sim, está limpa o suficiente. Nunca estão satisfeitos com a primeira concha de arroz e afundam a coitada novamente na travessa — mesmo que isso acrescente apenas seis grãos de arroz ao prato.
As mesas são responsáveis por um fenômeno que deveria ser estudado mais cuidadosamente. Em que outro lugar seria possível um jovem de camisa polo listrada com um adesivo de Aécio Neves no peito sentar ao lado de uma garota de camiseta vermelha com uma estrela branca e um 13 estampados? Se registrassem o que é dito em sua volta as mesas do restaurante universitário seriam o bem mais precioso que alguém poderia ter. Saberia de tudo o que acontece em todos os centros e departamentos. Só não saberia o critério utilizado pelas moças que servem o prato principal para decidir quantas almôndegas dar para cada pessoa.
Neste post:
Um exercício da faculdade de jornalismo em que brincar com o texto era justamente a ideia