A senhora sentada nos cilindros amarelos que servem como banco. O jovem de óculos escuros apoiado no anúncio da lateral. Uma garota encostando os dedos impacientemente na tela do celular. Assim como eles, outras tantas pessoas se aglomeram na calçada esperando a condução para ir embora após um dia de trabalho. Outros homens e mulheres passam apressados, de cabeça baixa ou fone no ouvido. Ninguém se dá ao trabalho de ler as palavras gravadas na cobertura azul do ponto de ônibus: Av. Mauro Ramos
Mesmo se algum pedestre mais atento notasse o nome da avenida, é pouco provável que tenha dedicado um segundo pensamento sobre os feitos do homenageado. A verdade é que Mauro Ramos foi prefeito de Florianópolis na década de 1930. Ele foi responsável por construir o último trecho da avenida. Por isso seu nome está nos mapas e nos pontos de ônibus. Em outras palavras, a identificação da rua foi escolhida por pura política e bajulação. Isso se repetiu, e se repete tanto que os nomes das ruas não dizem mais nada.
A população se acostumou a ver ruas, avenidas e monumentos com nomes de governantes. As três pontes que ligam ilha e continente foram batizadas com nomes de políticos: Hercílio Luz, Colombo Machado Sales e Pedro Ivo Campos. Colombo Machado Sales, aliás, era o prefeito de Florianópolis na época em que a ponte homônima foi construída. São tantas as ruas que têm seus nomes baseados em ex-governadores de Santa Catarina que as pessoas não se interessam em saber quem foi Felipe Schmidt, por exemplo — mais um governador do estado.
As pessoas andam apressadas. O nome de uma pessoa dificilmente vai chamar a atenção de um funcionário atrasado que passou correndo, ou de uma mãe que atravessa a rua de mãos dadas com seu filho. Talvez, se o nome da Avenida Mauro Ramos ainda fosse Rua das Olarias, um hipotético pedestre atento que reservasse alguns segundos para ler a informação do ponto de ônibus ficasse interessado em saber o motivo do nome, por mais óbvio que possa parecer. Até 1885, a estrada de terra conhecida como Rua das Olarias — que anos mais tarde se tornaria a Avenida Mauro Ramos — era o endereço de várias fábricas de tijolos. Assim como a Rua Felipe Schmidt era chamada do poético e quixotesco Rua dos Moinhos de Vento por causa dos moinhos de vento ali construídos.
Homenagem às avessas
Cruz e Sousa foi um dos poetas mais importantes de Santa Catarina. Nascido em 1861, na antiga Nossa Senhora do Desterro, era filho de negros alforriados e foi criado pelo ex-senhor de seus pais, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa. Por causa de sua criação, João da Cruz e Sousa, aprendeu latim, grego e francês e teve aulas com Fritz Müller. Sua obra é importante para entender o movimento simbolista no Brasil.
Em homenagem ao poeta, além do belo palácio em seu nome que vc é vivinho à praça XV, há também uma rua com o seu nome, não uma avenida, nem ponte, mas uma singela eu rua. Durante muito tempo uma placa sinalizava erroneamente: Rua Cruz de Sousa. Ela fica próxima ao Shopping Beiramar e liga a Rua Demétrio Ribeiro à Rua do Antão. Com as placas corrigidas recentemente, a Rua Cruz e Sousa é comprida e, partindo da Rua Demétrio Ribeiro, é até agradável. Com calçadas e uma leve inclinação. Aparentemente uma simpática homenagem para um grande artista catarinense.
Porém, logo a inclinação torna-se íngreme — a ponto de tornar a travessa conhecida como Morro do Céu. As calçadas somem e as casas de muros altos dão lugar a terrenos baldios. Logo alguns casebres de madeira anunciam que se chegou à parte mais pobre da rua. Conforme se avança rua adentro a largura da estrada vai diminuindo, a ponto de permitir a passagem de apenas um veículo. O mato invade parte da pavimentação, arrastando os galhos nas portas dos carros que passam.
Já na parte final da rua, no ponto mais alto, as casas aparecem somente de um lado. Do outro aparece um paredão, criando a impressão de que a rua é mais apertada do que realmente é. Quando as casas não possuem muros altos, ou o barranco é muito íngreme nota-se uma bela vista da baía norte. Após uma curva para a esquerda e uma leve descida a Rua Cruz e Sousa encontra a Rua do Antão e chega ao seu final. Uma rua mal cuidada, aparentemente esquecida pela administração pública. O que era para ser uma homenagem a um grande poeta fica com jeito de indiferença e descaso com a memória de nossos ilustres conterrâneos.