Quando Santiago nasceu na Colômbia sentia que era diferente das outras pessoas – sentia como se ainda carregasse lembranças de uma vida regressa repleta de amor e paz. Na infância o garoto bonito era expansivo, desenvolto e buscava a atenção de parentes e amigos com suas danças. O teatro foi caminho natural. Já adulto, seu visual atraía a curiosidade de muita gente. Foi quando se deu conta de que poderia fazer de si um personagem e passou a estudar diversas religiões e astrologia. Sua personalidade mística foi gradualmente somada ao visual andrógeno que ora parecia homem másculo de mandíbulas angulosas, ora mulher luxuosa e elegante adornada por jóias, anéis e colares. Eventualmente atingiu o objetivo de fazer de si um personagem com marca própria, e às joias ele adicionou capas, robes e vestidos brilhantes e coloridos como a cultura de seu país. Encontrou o casamento perfeito para sua imagem intrigante ao uní-la à astrologia e aos horóscopos que se confundiam com previsão de futuro primeiro em um jornal de sua cidade natal e depois para a televisão. Para completar o personagem que montava de si mesmo incorporou ensinamentos religiosos e mensagens de otimismo e motivação primeiro para seus compatriotas, depois para o México, Estados Unidos e logo para o mundo. O garoto sensivel provara-se de fato único e transformou Santiago em marca conhecida mundialmente por levar paz, união e compreensão a quem aceitasse lhe ouvir e assim fez até os 90 anos de idade quando seu agente Nicolás lhe fez assinar um documento que o fazia abrir mão de seu nome, sua marca, seu dinheiro e seu trabalho de uma vida inteira. Santiago, que passara a vida pregando o amor, a compreensão e a União não vira a serpente se criar tão perto de si. A frustração e a dor da traição fora tão sufocante que Santiago voltou à Colômbia e viveu seus últimos anos sozinho numa velha casa de madeira perto do mar até um infarto acabar com o último aspecto que imaginara para seu personagem: a fantasia de que seria eterno – alimentada por tais memórias de vidas regressas que tinha desde pequeno.
Cinco anos após a morte de Santiago nascia no Brasil um tal Roberto, com um sentimento semelhante de que era diferente das pessoas comuns. Oposto de Santiago, Roberto sentia sua vida regressa como um peso sobre os ombros. Roberto foi uma criança tímida, emburrada e irritadiça, brigava na escola, na rua e em todo lugar. Nunca estudou outras religiões, apenas seguia cegamente os ensinamentos católicos que sua família o obrigava a seguir. O amargor da criação opressora da família só aumentou com a idade. Por caminhos tortuosos ele foi levado a escrever horóscopos picaretas para jornaizinhos mequetrefes a fim de pagar as contas. Levava uma vida amarga com inveja de quem levava uma vida livre e feliz. Com o tempo, migrou seus horóscopos repletos de pessimismo e raiva para a internet onde encontrou outras milhares de pessoas com azedume semelhante. Em pouco tempo evoluiu de horóscopos para teorias da conspiração, depois discursos de ódio recheados com palavrões, principalmente contra quem vivia sua sexualidade livremente e quem buscava melhorar a vida dos mais pobres. Com o passar dos anos, Roberto obteve certa relevância numa sociedade abundante de ódio e violência como a de seu país, onde suas mensagens torpes e seu desejo de eliminar quem era diferente encontrou terreno fértil. Um de seus discípulos chegou a ocupar o poder por tempo suficiente para inflamar a camada da população que ansiava por dar vazão a seu ódio. Por um breve momento Roberto gozou de certa satisfação e privilégio. Quando forças revolucionárias atacaram seu discípulo para retirá-lo do poder Roberto, sozinho em sua mansão, no interior de São Paulo, onde buscava se esconder dos revoltosos, foi assassinado com um tiro no coração pondo fim a uma trajetória de tanto ódio e raiva que mais parecia ser uma vingança do que uma vida.