O freio do monza rangia mais alto que as pedras esmagadas sob as rodas, tudo envolto na nuvem de poeira que o carro levantava na rua de terra e tornava alaranjado o sol quente de uma tarde de verão. Do monza surgem três pares de pés. Os pés grandes que primeiro saem do carro caminham devagar e arrastados, quase contrariados, em direção ao portão de metal enferrujado e sujo. Os pézinhos que saltam do veículo em seguida seguem o caminho aberto pelo portão que grita fino, dolorido e lamurioso aos pulos mal contendo a excitação de estar ali.

Para o garoto ali é um parque. Ele corre no caminho de pedra brita que rasga a grama falhada e poeirenta. Faz rápido o trajeto costumeiro: corre ao largo de três cercadinhos enferrujados do tamanho de um bebê que ficam lado a lado numa area de mato particularmente alto; para por alguns segundos em frente a um painel de mármore preto onde se lê alguns nomes e olha em volta procurando os pais que arrastam os pés e caminham lentamente olhando para baixo; corre próximo dos pais e fala alto rasgando o silêncio pesado do lugar:

— Vamos, corre! Já vimos todos os painéis, podemos ir para o banco!

A mãe, de ombros caídos e mãos dadas com o marido retruca com carinho, mas áspera, incomodada em perturbar o silêncio:

— Calma, você esqueceu aquele cinza grandão, que tem duas placas e uma escultura para cima. E a mãe quer passar na casinha lá de trás hoje também.

As palavras da mãe naquele parque sempre saíam baixas, arrastadas, pareciam machucar a mulher.

A criança sufocou uma reclamação e seguiu os pais contrariada.

A mulher, abraçada ao marido, parou por um dolorido e interminável minuto sentindo no ombro o carinho sutil e calmante que o marido lhe fazia.

Rápido e impaciente como uma boa criança de seus 6 anos, o garoto falou alto ao correr perto dos pais:

— Não quero ir na casinha, vou lá no banco e espero vocês lá!

A mulher deu como suficiente a sua meditação em frente àquele painel e, ainda abraçada ao marido, seguiram lentos, arrastando os pés barulhentos nas pedras que levantavam uma poeira triste e preguiçosa sob o sol quente.

O garoto, que sabia o caminho de cór, pôs-se a correr, pulando muretas, painéis, morrinhos e, cortando caminho se esgueirando entre as casinhas, logo estava no banco. Fiinalmente. Esbaforido, o garoto enxugou o suor da testa com a barra da camiseta, de um pulo sentou-se no banco, olhou para a senhora magra e de cabelos finos que ali estava e perguntou, quase sem conseguir conter a alegria de estar ali:

— Cheguei! Eu falei que vinha todo domingo aqui. Hoje demorou porque o pai e a mãe ficaram um tempo naquele painel grandão lá de cima, sabe? Agora eles ficaram lá vendo a casinha e eu vim aqui falar com a senhora porque eu tava com saudade.

— Que bom que você veio, meu menino. Não achei que vocês demoraram, eu fico aqui olhando as pessoas caminharem e nem vejo o tempo passar. Mas agora que você chegou aqui eu sei que já é quase final de domingo.

— É, a gente tava na casa do vô, mas eu pedi pra vir aqui porque eu sabia que a senhora ia estar aqui e eu já falei que vou vir todo domingo ver a senhora.

— Eu vou sempre estar aqui quando você vier. Mas você não precisa vir todo domingo, agora eu já estou bem aqui, já conheço as pessoas que estão aqui e tô muito, muito bem aqui. Você não precisa mais vir aqui sempre, só de vez em quando. E quando você vier eu vou estar aqui pra gente matar a saudade. Agora, meu menino, você entendeu que não precisa vir sempre, né? Eu estou bem, você pode ficar na casa do seu vô o domingo todo junto com seu pai e sua mãe, tá bom?

— A senhora levantou o braço fino, dentro da blusa larga e passou os dedos finos, leves e um pouco tortos pelos cabelos da criança, se despediu baixinho, levantou e foi embora.

Assim que a senhora saiu por trás do banco os pais do garoto chegaram, agora muito lentos, como se chegar perto do banco onde a criança estava sentada balançando os pézinhos exigisse um esforço que causava dor.

O casal, de mãos dadas, parou em frente ao filho e soltaram as mãos. Os dois ficaram parados lado a lado por um instante e agora quem pedia silêncio abaixando a cabeça era o pai e quem abraçava oferecendo um carinho sutil era a mãe.

O garoto parou de balançar as perninhas e sorriu para os pais em silêncio. Não tinha mais pressa e aguardava o pai decidir que meditara o bastante ali para irem embora de volta à casa do avô.

Com o sol tocando a linha do horizonte o monza subiu a rampa íngreme da garagem e o casal desceu do carro para encontrar um senhor alto, com um bigode cheio e meio grisalho e uma barriga enorme.

O senhor abraçou a mulher e, enquanto o garoto saltava do carro e corria rápido para dentro da cozinha perguntou:

— E aí, minha filha, como foi lá no cemitério, o guri viu o túmulo da sua sogra?

  • Viu, pai. Eu vi que o túmulo da falecida mamãe tá bem bonito também.

No carro agora, voltando, o seu neto disse que ele não precisa mais ir lá todo fim de semana porque a vó dele disse que tá tudo bem com ela e ele não precisa mais se preocupar.

O senhor apertou a filha um pouco mais, deu-lhe um beijo na testa e entrou gritando pelo neto, fingindo uma bronca por ter entrado correndo sem dizer oi. Na garagem a mulher e o marido abraçavam-se demoradamente.